Fui fazer um trabalho ao Dondo um lugar a cerca de duas horas de distância de Luanda, acordei cedo perto das quatro da madrugada, quem disse que ser auditor é só conforto e esperar que caia o fim do mês, onde está essa pessoa, hum?
Esperei pelo meu colega, em casa para não descer àquelas horas, è uma cidade perigosa esta Luanda depois do recolher natural da maioria trabalhadora, desci quando vi a viatura, fomos apanhar o outro auditor da nossa equipa, ficava de caminho.
A luta deste acordar cedo, não é para chegar ao destino a horas, mas sim para sair de Luanda a tempo, antes que se engasgue na constante falta de circulação que tem qualquer estrada dentro ou para chegar a Luanda.
Escapávamos da cidade quando o sol ameaçava assomar daí que o azul do céu fosse tudo, outras cores como o violeta ou o laranja para nos calarem por alguns momentos, falava-se para espantar o cansaço, o sono que quase não houve no curto estacionamento que tivemos com o nosso conforto em casa.
São coisas lindas que há nesta Angola, desconhecida, os espaços verdes, outros secos nem tão bonitos assim, mas todos eles mágicos à sua maneira, roubando o tempo para pensar em merdas como essas de gripes e o camanu.
A ideia é arranjar ginástica mental para nos situarmos sem as preocupações citadinas que nos definem e definham, como seres humanos.
No fundo, existem pessoas como nós, cansados dessa obsessão pelo lucro fácil, gajos que querem descobrir o sabor dessa viagem que ninguém de bem quer fazer sozinho.
Chegados ao Dondo, fomos directos ao trabalho, tomámos o pequeno-almoço que é a parte mais importante de um longo dia de trabalho antes de iniciarmos funções. Terminados que estávamos fomos almoçar e logo nos pusemos na estrada de regresso a Luanda, tínhamos chegado ao Dondo cerca das 7:30h da matina e bazamos por volta das 13:30h comi um prato típico do buffet – Funje de Carne Seca, estava fantástico.
Tiramos umas fotos junto ao rio Kwanza, antes de deixarmos o lugar, balbuciamos algumas expectativas de uma vida ali, diferente, sem igual.
Na estrada vinha eu à pendura o Mário atrás e o Nataniel ao volante, ao fim de uma hora de viagem fomos mandados parar, era a polícia, parecia.
Sem que me viesse á ideia permaneci quieto, a polícia não era a polícia normal, eram uma espécie de serviços de fronteiras, dirigiram-se a mim e apenas a mim pediram a documentação, o primeiro caso de racismo puro chegava.
Ao meu lado estava um homem de estatura baixa, baixei o vidro automático, para perceber o que queria o senhor, sem dizer nada olhei-o nos olhos, esperei o gesto:
- Faculte-me os seus documentos por favor! Parecia mentira, mas era só o pendura que eles queriam importunar.
Pensei perguntar porquê a mim, mas a besta mirava-me com olhos de carneiro, lembrei-me de quando cumpria a segunda metade do serviço militar em Estremoz, para fugir de todo aquele mundo, subia até ao castelo e lá de cima via o Alentejo, encarava as ovelhas que lá pastavam, procurava os seus olhos e nada é um animal sem expressão, talvez fosse do vazio que me encontrava na altura, mas é um animal… como era este que se erguia sobre os seus membros inferiores, e ignorava os meus dois camaradas negros, para ter de mim qualquer coisa, só e apenas da minha pessoa.
Fiquei quieto por momentos como esperando que a besta se tocasse, esse vazio deu espaço a que o meu camarada que ia ao volante o interrogasse. – Faculta-me a sua identificação por favor? Como é que sabemos quem sois? Ao ouvir os argumentos vindos de dentro do carro aproximou-se a besta maior, perguntando com vontade de autoridade: - Qual é o problema? Olhando para o mulato, o mulato calado, foi o que decidi fazer, nem uma palavra queria dar a essas espécies de gente.
Saquei da minha carteira, puxei da carta de condução e pu-la na sua mão, apenas falei quando me pediu o bilhete de identificação, dizendo: - É só o que tenho.
Se queriam gasosa, não discuti, não lhes dei razão para crescerem para mim, fiz-me de gente digna, lutei em silêncio contra uma luta perdida naquele momento, é frustrante para começar… enfim, que país é esse!?
Cedo se tocaram, daqui não levaremos nada. Decidiram explicar, não a mim, a mim foi-me devolvida a carta e toda a ignorância possível à minha pessoa, explicavam ao meu colega que estávamos, em Angola, com dilemas em relação ao Congo, por causa das expulsões de angolanos desse país.
A mim nem uma boa viagem, um obrigado ou vai à merda me deram, e eu até agradeço, mas…
Bela razão pensei eu, querendo compreender o que me tinha acontecido ali, mas a malta do Congo não é na sua maioria de raça negra e sem mistura?